Dia 1 de Maio
Saí do Curval – Pinheiro da Bemposta – passavam 10 minutos da hora prevista para o início da aventura. O relógio marcava 6:10 da manhã, pés ao caminho que se fazia tarde, e lá fomos nós, Paulo “Bolhas”, Ricardo “O arrastão”, a Ana “A Miúda” e eu.
O dia rapidamente clareou, e com ele as primeiras promessas.
- “Vou começar a vir, a pé, à vila comprar o pão. Afinal, é só meia hora para cada lado, e não custa nada” – dizia a Ana, conhecedora de que se devia de andar uma hora por dia.
Passadas 1 hora e meia, já aparecia o 1ª carro da assistência. Vinha aliviar as costas e mãos daqueles que partiram com medo de umas gotas que pudessem cair do céu.
Um de nós, depois deste episódio, já não sabia onde pôr a mão.
As horas vão passando, os kms também, fazem-se os primeiros contactos com outros caminhantes vindos de vários pontos. Qual ida ao cabeleireiro, fica-se aqui a saber a vida completa das pessoas…. Quantas operações já fez. Quantas ainda falta fazer. Etc, etc…
Chega a hora das pessoas acordarem, e lá começam os télélés a tocarem, e nós a começar a mentir, tal é a nossa noção de distância
- “Estamos a entrar em Águeda” – mentia o Paulo “Bolhas” ao pai. Afinal ainda demoramos quase duas horas a lá chegar.
Finalmente, Mourisca do Vouga, a primeira paragem para o pequeno almoço. Boa sandes. Também já merecíamos o primeiro descanso, já tinham passado 4 horas, desde que havíamos partido.
Tão rápido como paramos, também partimos... e fomos almoçar já depois da Revigrés, mais propriamente em Barrô, no Snack-bar Primavera.
Colocados os pés a apanhar ar, apareceram as primeiras intrusas na nossa caminhada – As bolhas. Vindas não sei de onde, elas alojaram-se nos pés do caminhante Paulo “O Bolhas”. E assim se faz juz ao título.
Também aqui apareceu a primeira ajuda entre os vários caminhantes por este Portugal fora. E a primeira intervenção clinica que aprendi nesta aventura.
-“Tás cosido!!!” – Exclamei eu, ao verificar que uma senhora atravessara as bolhas do Paulo deixando uma linha a trespassar as mesmas.
Feitos os primeiros socorros, sem a intervenção do inem, seguimos viagem.
Eis que próximo da Curia, surge novamente o 1º carro de assistência, desta vez, recheado de umas saborosas natas.
“Ui!!! Que deliciosas!” – admitimos todos, imediatamente após termos devorado-as.
Degustadas as poucas mas saborosas natas, voltamos à estrada, e… encontramos as primeiras e únicas trabalhadoras a fazerem horas extras, já que estávamos no dia do Trabalhador. Vestidas a rigor, com umas mini-saias a levantar a moral dos caminhantes, mas as forças já nem permitiam desviar o olhar da estrada.
De seguida surge a nossa tábua de salvação – a Marquesa Rolante – também conhecida como o carro oficial de assistência. Nela vinham as nossas, mais que tudo, a Laurinda e a enfermeira Sandra, equipadas com o essencial: Tachos, panelas, seringas, comprimidos, betadine, rojões e tudo o mais para uma viagem agradável.
Combinado o pouso, lá fomos nós os metros finais da jornada até ao parque de estacionamento do Intermaché da Mealhada.
Feitas as contas, foram 48 kms, em 9h 55m bem passados, recompensados com uma bela sopa e rojões. A dar-nos as boas vindas à Mealhada, esteve uma espanhola, que só para ver o Paulo Bolhas roncar, demorou quase 1 hora a lavar a carripana que conduzia.
Dia 2 de Maio
Alvorada às 6 horas da matina, partimos para a estrada já eram 7.
Neste segundo dia de treino, dediquei-o a andar atrás daquela Miúda difícil, sem que ela me ligasse patavina, mas veio a primeira subida para estação que era já ali, e reagrupamos, pois o nosso 1º ponto de descanso, era precisamente a seguir à estação da C.P., em Coimbra, e que ficava já ali.
Finalmente, chegamos à já ali, estação… que afinal já não era na estação mas sim, na paragem dos autocarros. E no meio dos autocarros, lá estava a nossa Marquesa Rolante, com tudo a postos para um reconfortante descanso, que já era merecido. Afinal já tínhamos caminhado mais 4 horas.
Durante esta paragem, aproveitamos para dar cabo dos rojões, que teimavam em sobrar, bem como para pôr o sono em dia. Além disso, entram em acção as mãos da enfermeira Sandra.
E tão bem que ela trabalha com as mãos.
- “Até a barraca abana!!!” – Tal era o espanto do motorista do autocarro ao lado, quando incrédulo, olhava para a Marquesa Rolante, via entrar a Sandra seguida pela Ana, nisto começa a gingar a autocaravana. 2 minutos mais tarde, entra a Laurinda. O motorista precisou de levar com uma ligadura, em volta da cara, para conseguir fechar a boca.
Ainda bem que o Ricardo “O Arrastão” não se lembrou de ir nesse instante à Marquesa Rolante, senão a enfermeira Sandra era promovida a “Avia-todos”.
Recuperadas as forças, fizemo-nos novamente à estrada, com força mais que suficiente para enfrentarmos o primeiro prémio de montanha, colocado ao km 27 da etapa, no alto da serra de Santa Clara.
Com o ritmo imposto na subida, conseguimos dar as voltas à autocaravana, que seguiu por outra estrada, que não a indicada aos caminhantes, perdendo-nos o rasto. Pelo caminho, faziam-se já as apostas a saber o que seria o brinde que a Laurinda iria preparar para nós. E a aposta recaía no polvo cozido.
Passada a serra de Santa Clara, eis o reencontro com a Marquesa Rolante, que já se encontrava preparada com todo o requinte para nos receber.
Recuperados do esforço da subida, e colocados a postos para atacar o prato, constatamos que erramos nas nossas apostas, pelo que fomos presenteados com uma bela posta de “bacalhau cozido à caminhante” – bacalhau, batata, ovo e legumes.
Novamente ao caminho, e como não podia deixar de ser, lá seguia eu, atrás daquela Miúda – a Ana – que sei lá porquê, me fazia caminhar até Fátima. Mas ela, tal como no primeiro dia, teimava em não me passar cavaco. Foi então, que decidi por fim, à guerra, entretanto travada entre o bacalhau e os rojões, que heroicamente queriam viajar comigo, e desloquei-me, a pé, à área de serviço junto ao nó da auto-estrada, em Condeixa, para dar uma larada.
- “Que alivio!!! Qual massagem, qual quê!!! Pôr fim a uma guerra é um orgulho, que qualquer Homem devia ter.” – pensei eu, ao mesmo tempo que dava corda ao sapatos.
Matreiros, a Miúda e o seu Arrastão, aproveitaram para se distanciarem. Mas… leve como eu fiquei, nem o “Speedy Gonzalez” me apanhava. Alguns kms à frente, fui encontrá-los encostados à Marquesa. Eu, com o lanço que ía – “as minhas pernas até fumegavam” – só consegui parar a 18 kms de Pombal. Quase que chegava primeiro que o carro da assistência!!
Mais um treino concluído, recuperadas as forças, banho tomado e mais uma sessão de esfrega. Ficaram para trás mais 42,2 kms, em 8h50m.
Mas o dia ainda não tinha terminado.
Para meu espanto, surge a discussão do dia. Fazendo jus à fama que ganhei nesta caminha, todos queriam experimentar a minha condição de “cobridor”. O Paulo queria destronar o Ricardo do meu T0, com vista para onde quisermos, pois queria ele próprio confirmar as minhas potencialidades.
A minha fama ganhou semelhante eco, que para meu espanto o Sr. Alcides saiu de propósito do Curval para vir passar a noite a 18 kms de Pombal. Incrédulo com a guerra que se havia criado para saber quem iria dormir comigo, amuou e foi dormir para a mala do carro.
Dia 3 de Maio
Alvorada às 5h, fizemo-nos à estrada ainda não eram 6.
Mais uma vez, aquela Miúda de braço dado ao seu Arrastão, faziam-me andar horas atrás dela. Dizia ela:
- “Prometeu-me que se casasse, me levava a Fátima de braço dado!!!”. Enganem-se os mais cépticos. Essa história era só para ver se me afastava, e deixava de andar atrás dela.
O Ricardo “O Arrastão”, para fazer valer a fama que ganhou, metia a mão na anca para ela entrelaçar o seu braço no dele e assim, tentar tirar aquela Miúda da minha vista… E conseguiu.
Só que esqueceu-se de um pormenor. Bem abençoado pai que faz uma coisa assim em duplicado. Foi-se a Miúda mas ficou a Bela…
Também neste momento, verificamos que o nosso “pé-book” estava desactualizado. Havia um caminho mais a direito do que ir por Leiria. E ainda bem que havia! Da minha parte, acho que foi o trajecto mais agradável que realizamos apesar de, nesse mesmo trajecto me ter lembrado do nosso amigo Fernando “O Zandinga”.
Não é que a poucos metros do reencontro com a Marquesa Rolante, o meu Bicep Femular se sente cansado.
- “Raios parta o Zandiga!!! Eu não estou a 100 metros!!!” – penso eu. Mas não… A caminho vinha já a Bela, para fazer comigo uma incursão ao mato, motivo que me deu força e me fez continuar. Remédio santo… no dia seguinte, estava novo!
Mais uma vez, a Laurinda e Sandra tinham já tudo a postos, para o nosso reencontro com o sagrado descanso, e desta vez… acho que todos o ansiávamos.
Desta vez, caiu-nos no prato um belo cozido, que nos fez lutar por uma orelha, quando afinal o porco tinha 3 orelhas. A acompanhar a comida, um pouco de coca-cola com água, que fez com que o Ricardo “O Arrastão” parecesse movimentar-se a vapor, tal era os impulsos repentinos que o moviam para a frente, deixando para trás um rasto pior que qualquer doninha bem lavada e perfumada.
Soneca da praxe concluída, e voltamos à estrada. Era esta a nossa sina para o fim de semana.
Nesta etapa fez-se luz…. Não sei o que se me deu…. Fiz-me de cansado!!! Deixei-os tomar a dianteira da caminhada!!! Deixei que o “Arrastão” levasse aquela Miúda para longe da minha vista, e eu…
O Zé Maria, homem que ostenta o “calo do amor” acima de qualquer virtude, veio ao meu encontro trazendo a Bela.
E eu… esperto que nem um rato, sabia diante mão, que dali para a frente, todos os caminhos me levavam para o mato. Até à minha Carla eu tive que desligar uma chamada, pois ía com a Bela para o Mato, e isto são momentos que uma chamada telefónica não podem perturbar. Felizmente, nesse momento acabaram-se as moedas e a chamada foi interrompida.
Durante o trajecto pelo mato, eu e ….agarrei-me ao pau… ela dizia que lhe podia pôr a mão… (PARAGRAFO CENSURADO)
Passadas 10h16m desde que iniciei a jornada, reencontrei-me novamente com a Marquesa Rolante, levando comigo a Bela ao encontro dos seus papás que a esperavam.
Mesmo cansado, fiquei comovido ao saber que a minha fama passava já para lá do Curval e chegava até ao Pinhão. O Zé Maria também queria experimentar o meu T0, mas o filho não deixou. O Ricardo foi o feliz contemplado nesta noite.
- “Que egoísta, este Ricardo!!! Não lhe bastou a 1ª, ainda quer repetir!! E o Zé Maria amuado, foi dormir a casa!” – disse eu de mim para comigo.
Para trás ficaram mais 46 kms.
Dia 4 de Maio
Chegou o derradeiro dia, o dia da prova de fogo. Todos nós nos tínhamos proposto ir a Fátima a pé.
Feitas as contas, este era o dia ideal para ir a Fátima a pé. Afinal estava uma manhã fresca, propícia ao andar dos caminhantes, já tínhamos cumprido 3 dias de treinos. Sentiamo-nos portanto, capazes de concretizar tal feito. Mais… fizemos a nossa ida a Fátima a pé, sem qualquer assistência… pois prescindimos do carro vassoura no dia D.
Passadas 2h25m, encontravamo-nos os 4, com a companhia da Laurinda, da Sandra e do João, em pleno Santuário.
Foram-se os kms, cumpriram-se promessas (quem as levava), ficaram-se as bolhas, as minis e os camarões.
Por fim, uma palavra de apreço a quem tornou e conviveu com esta aventura.
Um agradecimento especial à Laurinda e à Sandra, que sem elas, dificilmente concretizava esta minha aventura.
Um agradecimento à Ana, ao Paulo e ao Ricardo, pela vossa amizade e companhia.
Um agradecimento ao Plácido que conduziu as natas até nós.
Um agradecimento ao Alcides, ao Zé Maria e à Bela por me permitirem brincar com as vossas pessoas.